Nego finca a alma no chão
Risca a terra, levanta o pé
Abre roda para o ritual
Deixa o homem, vira animal
Vem menino ver a raça do povo
Em Mucope, a ginga angolana
No Mufico, a essência Ngolo
Vai menino pro Congo e Gana
De Luanda, Cambinda e Benguela, ê Camará
Vinha negro usando o corpo pra lutar
Mas o branco trazendo cobiça, ê Camará
Nos seus pés a corrente conseguiu botar
No negreiro um povo partiu, ê Camará
Mãe Angola nos mares se pôs a chorar
Desembarcam no nosso Brasil, ê Camará
E Ngolo outra ginga foi encontrar
É de Maraná, é de Maraná
Em Palmares negro descobriu
O jeito do índio duelar
É de Maraná, é de Maraná
Capoeira então surgiu
Do Ngolo-Potiguar
O jogo ligeiro a Bahia encantou
Pandeiro, atabaque e a berimba tocou
Na reza cantada, fazem louvação
Na roda, o jogo dos pés e das mãos
Na ginga a forma de ter proteção
Contra chibata, contra a tortura
O corpo e dança mostram a bravura
Marcam as paginas da literatura
E a visão dos artistas
Sobre as lutas nas ruas
Zum zum zum capoeira mata um
Zum zum zum capoeira mata Um
O zum zum zum está formado
Capoeira mal tratado
Sua dança proibida, arte torturada
Mas o mestre falou que somos marinheiros
Aguente com fé, vai mudar maré
O que foi proibido, virou patrimônio
Capoeira valente, na história deu nome
Os mestre desse gente defenderam a arte
Semearam a cultura, empunharam o estandarte
Tá no corpo, tá na fé, nessa voz que não cala
Tá na ginga,tá no pé, no bailar mestre sala
Tá no corpo, tá na fé, nessa voz que não cala
Tá na ginga, tá no pé, no bailar mestre sala
JUSTIFICATIVA:
A Ponte Aérea contará em 2015 o enredo “Ngolo-Potiguar: Arte e magia da Capoeira”. O enredo aborda a história de uma das mais importantes manifestações culturais e artes marciais do país. Visamos realizar a construção de uma história pouco difundida e até hoje sem traços certeiros de seu processo de desenvolvimento, para tanto elaboramos uma sinopse baseada nas cantigas de roda de capoeira e pautamos o desenvolvimento do enredo em cinco principais momentos.
O enredo parte do Ngolo, ritual realizado pelas tribos de Angola, cujo significado, em kimbundu, é “zebras”. Nesses rituais, homens incorporavam zebras e sua força, duelando usando os pés, como se fossem as batalhas desses animais. O objetivo do ritual era encostar os pés na cabeça do oponente. Sagrando-se vitorioso, teria como premiação uma das mulheres da tribo, em estado de “efendula” ou “mufico”, que era o período de fertilidade. Os combates aconteciam em rodas, observados pela corte da tribo.
O ritual se expandiu por outras regiões de Angola, sendo conhecida também como Mufico, até se propagar pelo continente, sobretudo no Congo e Gana, enraizando-se, definitivamente, na cultura africana. Os três países de principal expansão e prática do ritual Ngolo foram também pontos fundamentais de exploração e envio de escravos. Os movimentos do ritual já eram praticados, naquele momento, como técnicas de combate e, com o fortalecimento do processo de colonização e escravização na África, as práticas e culturas dos povos do continente permearam novos territórios, e o ritual fez parte disso. Ganhou propulsão em países da América Central, entretanto foi no Brasil que se consolidou, expandiu e adotou novas características.
Assim como na luta contra o aprisionamento no território africano, os movimentos do Ngolo foram armas de combate dos escravos foragidos nos engenhos, no Brasil. Entretanto, é no Quilombo de Palmares que o Ngolo passa a ser Capoeira, tendo a fundamental colaboração da cultura indígena. Palmares era um refúgio não apenas de negros, mas de índios, sobretudo os Potiguares, tribo de maior contingente na região. Esses índios realizavam um ritual de características semelhantes ao africano, no que concerne a seus movimentos: o “Maraná”. E através do encontro da cultura potiguar e africana surge a “capoeira”, termo Tupi Guarani cujo significado é “capim rasteiro”, em referência aos locais onde as rodas eram realizadas.
A Capoeira surge como uma arte essencialmente brasileira, originada a partir da miscigenação de suas culturas. Aos poucos, se expande, sobretudo no território baiano, ganhando dimensões bem maiores que a ritualista na qual as danças que a originaram apresentavam, mas se tornando a principal arma de luta dos escravizados em busca de liberdade. Ao longo das revoltas no Brasil Imperial, em movimentos a favor da abolição ou de respeito a figura negra, os golpes surgiram como ferramenta de batalha. Entre as mais relevantes, pode-se ressaltar a “Revolta dos Malês” e a “Revolta da Chibata”, tendo João Cândido como o primeiro grande nome reconhecido da Capoeira na história brasileira.
Pelo caráter de defesa e luta que a Capoeira adquiriu, a arte foi proibida no Brasil, durante o século XVIII. Por quase duzentos anos, foi praticada de forma clandestina e, nesse movimento, alguns homens foram fundamentais para semear essa cultura e difundir a luta, ostentando a posição de mestres, como Camafeu de Oxossi e Besouro. Não se restringindo apenas a cultura baiana, marcada fundamentalmente por essa arte como exaltou Jorge Amado, seguiu estampando as páginas da literatura de outros grandes nomes, como Câmara Cascudo, e protagonizando fatos memoráveis nas boemias e guetos cariocas, caso de Madame Satã. Ledo engano pensar que a Capoeira veio ao Rio apenas para brincar nas ruas da Lapa. Ela se ergue todos os anos no mês de fevereiro para defender a bandeira do samba e conduzir o bailado de outros mestres, os mestres-sala, cuja dança se originou através dos passos dos rituais africanos e da Capoeira brasileira. Saudando os grandes mestres do samba e ratificando o valor desses dois patrimônios brasileiros, que a Ponte Aérea encerra o seu carnaval.