Sinopse:
Naquele quatro de outubro, lá de 1501, nas terras d’América recém-encontrada havia grande euforia, tinha festança, dança e muita cantoria. O navegador – um tal de Vespúcio – havia acabado de chegar, a patusca no entanto, era para o Santo de Assis louvar. Coincidência ou não o nome que o branco deu ao indígena Opará1 foi mesmo este; Francisco… Rio São Francisco.
Com a descoberta do rio, espalharam-se logo os boatos das riquezas que possuía. Riquezas de grande valor… O ouro, o mais procurado era o que mais havia; entretanto pedras e minerais também aos montes de achava, lá aos pés das montanhas das “minas gerais”. Assim, logo depois de chegados, portugueses e holandeses se espantaram com o tesouro encontrado e para explorá-lo tomaram a terra e colonizaram as pequenas aldeias, as riquezas deste chão para além-mar foram levadas.
Os nativos da terra, ao saberem da “leva” promovida pelo povo estrangeiro logo trataram de proteger seu “Velho Chico”, e de boca em boca se fez magia… Criaram as lendas, fizeram mistério e assombrações surgiram de “todos os cantos” – O rio de riquezas era também de magia e muitos encantos. Se um dia por essas bandas estiver a navegar, tome muito cuidado com o que fores fazer… Se tiveres más intenções ou mal ao rio fizer, o Caboclo d’água2 terá de enfrentar e teu barco apenas ao fundo das águas irás encontrar. Lembre-se sempre de em retirada bater se o minhocão3 seu caminho cruzar, não há neste mundo algum pescador que dele tenha conseguido escapar. Já se o nego d’água4 encontrar a solução é só uma, um peixe a ele terás de entregar, vez ou outra uma cachaça também há funcionar. De Iara5 -mãe d’água- não precisa temer, mas meu nobre marinheiro não vá por ela se apaixonar ou então “afogado de paixão” deste Rio nunca mais sairá.
De passagem por muitos estados, o rio deixa sua marca para tudo que é lado, do chão á paisagem, vai deixando sua mensagem. Quem vê assim o vai-e-vem das águas do colosso rio-mar, pode não imaginar, o quão modesto é o seu brotar ao alto da Serra da Canastra, lá nas Minas de Drummond. E Mineirinho, como não podia deixar de ser, cresce discreto quase sem ninguém perceber, até se agigantar pelos lados de Montes Claros e sair nordeste a dentro acabando com todo o desprazer da seca no meu sertão. Na Bahia de todos os santos faz nascer a plantação e avolumar a produção, seja de vinho ou de algodão. O milagre é mesmo este, sem mistério ou complicação, ‘das águas do Velho Chico nasce um rio de esperança’ que se chama irrigação. Seguindo a frente em seu caminho faz fronteira a Pernambuco, irriga a terra e a transforma num pomar, onde dá fruta de todo jeito e de toda espécie… Tem caju, manga e também melão, mas nada faz mais sucesso do que a uva – sem caroço – pra exportação. Ora veja você, as frutas do São Francisco são mais que delícias nacionais, embarcam para bem longe, vão pra Rússia, Estados Unidos e até Japão. No Sergipe “Velho Chico” de turista é atração que encanta a qualquer um; é terra de rica fauna e bela flora que não cabe em descrição. Ao chegar ao Alagoas, atinge afinal o seu destino, a imensidão azul, ladeada pelas douradas dunas, características da região. É neste cenário magistral que as feiras ribeirinhas tomam conta do local, vendendo um pouco da história e da cultura da popular… No artesanato faz-se de tudo. Tem filtro, tem moringa, tem pote e tem carranca, são as famosas “caras feias” como nunca se viu igual, mas afastam todo tipo de perigo e protegem de qualquer mal.
Agora me veio o homem, falar em transposição. Abrir caminho para levar água, vida e esperança ao sertanejo de toda esta região; encher açude, cisterna e represa e florir a plantação. Mas, Chico é diferente, forte e valente vai pelas bandas de Paraíba e Ceará se aventurar; não importa qual seja seu futuro ou sua sina… Seu rumo mesmo, é para mar.
“Sou Opará, Nilo Tupiniquim, São Francisco… Mas pra facilitar, pode me chamar de Chico.”
Texto: Marcus Cristiano e Fernando Constancio
Glossário:
1 – Opará é nome dado pelos indígenas ao Rio São Francisco, que em tupi-guarani significa Rio Mar.
2 – Caboclo d’Água é um ser mítico, defensor do Rio São Francisco.
3 – Segundo a lenda, o minhocão é uma imensa cobra que vive no Rio São Francisco a mais de 300 anos.
4 – Conta a história, que o Nego d’água é careca e tem pés e mãos de pato. Habita as profundezas do Velho Chico e com suas gargalhadas assusta os pescadores e lavadeiras que não o agradam com peixes ou com cachaça.
5 – A Iara, segundo a lenda, é a mãe das águas doces do Rio São Francisco; costuma banhar-se no rio e ficar sobre as pedras penteando seus longos cabelos, sempre cantando uma melodia irresistível que encanta aos pescadores.